segunda-feira, outubro 23, 2006


A musa não queria calar, nem usara suas quotas,
era o cara que tinha de bater suas botas.
E a garota com lenço que acenara seu favor
vem esmagar-lhe o peito com rolo compressor.

As palavras não vêm mais com a varinha
aderir como a sarça ao odor que o mato tinha,
e o rosto, ovos que à frigideira alguém ponha,
esparrama seus olhos, que lambuzam a fronha.

Estás quente, à noite, em seis véus dissimulada,
na lagoa que vibra do fundo com a pancada,
onde, peixe asfixiado com o azul estrangeiro,
meu lábio em carne viva te alcançava primeiro?

Quisera ter orelhas de lebre costuradas à careca,
em florestas escuras levar chumbo quente à boca,
e por ti, do lago liso, das algas e pau a pique,
emergir e beijar-te como um não Titanic.

Mas nada está nas cartas, nem o traz o garçom;
dói dizer onde o cabelo negro mudou de tom.
Mais que o sangue, sobraram azuis as veias,
qual teia seca, sem fazer as meninges cheias.

E isso é tudo, minha amiga: o adeus não se adia.
Risca em teu bloco amarelo a última roda vazia.
Este círculo sou eu, liberado já de entranhas.
Olha um pouco, depois apaga o garrancho.

[joseph brodsky, trad. andrei cunha