quinta-feira, dezembro 21, 2006

Um dia

Deram-lhe hoje a notícia. Em todos os seus ramos
a casa adormeceu já. Ele sentou a noite diante do
écran branco; esperou que a onda retirasse o seu som
e acendeu a lua nova e o Ciclo-Scardanelli. Terá então
escrito: Usarei também um dia a palavra antiquíssima.
Não sabes se nesse dia é já a morte que te beija
a artéria do amor; - ou se é ainda a tua a boca
que me sobe o flanco. Nem o poderia saber agora.

Mas a qual das bocas se referirá a palavra dita?
Ao esplendor do teu brando gesto inclinada sobre o mundo
ou ao sangue exausto que respira ainda?
Não pode ser aceite que isso que amas e des-
conheces infinitamente - ela, o mundo em ti -
possa morrer. E contudo todos o sabemos.
Talvez ele chame antiquíssima e não idêntica
à que é finita e breve.

[manuel gusmão
[teatros do tempo, ed.caminho, 2001