sexta-feira, novembro 03, 2006

Pequena valsa vianense

Em Viena há dez moçoilas,
um ombro onde soluça a morte
e um bosque de pombas dissecadas.
Há um fragmento da manhã
no museu da geada.
Há um salão com mil janelas
Ai, ai, ai, ai!
Toma esta valsa com a boca fechada.

Esta valsa, esta valsa, esta valsa,
de sim, de morte e de conhaque
que molha sua cauda no mar.

Quero-te, quero-te quero-te,
com a poltrona e o livro morto,
pelo melancólico corredor
no escuro desvão do lírio,
em nossa cama de lua
e na dança com que sonha a tartaruga.
Ai, ai, ai, ai!
Toma esta valsa de quebrada cintura.

Em Viena há quatro espelhos
onde brincam tua boca e os ecos.
Há uma morte para o piano
que pinta de azul os rapazes.
Há mendigos pelos telhados.
Há frescas grinaldas de pranto.
Ai, ai, ai, ai!
Toma esta valsa que morre em meus braços.

Porque te quero, te quero, amor meu,
no desvão onde brincam os meninos,
sonhando velhas luzes da Hungria
pelos rumores da tarde tíbia,
vendo ovelhas e lírios de neve
pelo silêncio escuro da tua fonte.
Ai, ai, ai, ai!
Toma esta valsa de “Quero-te sempre”.

Em Viena dançarei contigo
com um disfarce que tenha
cabeça de rio.
Olha que margens tenho de jacintos!
deixarei minha boca entre tuas pernas,
minha alma em fotografias e açucenas,
e nas ondas escuras de teu andar
quero, amor meu, amor meu, deixar,
violino e sepulcro, as fitas da valsa.
.
[frederico garcia lorca, trad. william agel de mello
e musicado por leonard cohen aqui