terça-feira, novembro 07, 2006

porta san pancrazio

As abelhas não voaram para longe, nem um cavaleiro partiu
a galope. No bar Gianicolo, velhos companheiros relembram os dias
da infância, e o cubo de gelo derrete­‑se, arrefecendo o frágil motor
grato por beber duas vezes a mesma água.

Oito anos passaram. Guerras rebentaram e esfumaram­‑se,
famílias desfizeram­‑se, a escumalha desnudou os dentes [envelhecidos;
aviões caíram do céu e o rádio murmurou «Jesus».
Os lençóis ainda podem ser lavados, mas as rugas da pele

não se rendem à palma mais suave. O sol sobre uma Roma
no Inverno empurra o fumo púrpura com raios desnudos. A cinza
tresanda a folhas queimadas, e a fonte brilha como uma medalha
vacilante pendurada num canhão que ao meio dia dispara a sua salva.

A pedra é usada para manter cativa a memória.
Contudo é mais difícil aparecer do que desaparecer numa perspectiva
fugindo da cidade pelos anos fora e para além
em perseguição do puro tempo, desprovido de amor e de futuro.

A vida sem nós, querida, é pensável. Ela existe como
abelhas, cavaleiros, bares, habitués, colunas, vistas,
e nuvens sobre este campo de batalha cujas estátuas eternas
triunfam, com o seu corpo, sobre a possibilidade de te tocar.

1989
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[joseph brodsky, trad. sandra costa