porta san pancrazio
As abelhas não voaram para longe, nem um cavaleiro partiu
a galope. No bar Gianicolo, velhos companheiros relembram os dias
da infância, e o cubo de gelo derrete‑se, arrefecendo o frágil motor
grato por beber duas vezes a mesma água.
Oito anos passaram. Guerras rebentaram e esfumaram‑se,
famílias desfizeram‑se, a escumalha desnudou os dentes [envelhecidos;
aviões caíram do céu e o rádio murmurou «Jesus».
Os lençóis ainda podem ser lavados, mas as rugas da pele
não se rendem à palma mais suave. O sol sobre uma Roma
no Inverno empurra o fumo púrpura com raios desnudos. A cinza
tresanda a folhas queimadas, e a fonte brilha como uma medalha
vacilante pendurada num canhão que ao meio dia dispara a sua salva.
A pedra é usada para manter cativa a memória.
Contudo é mais difícil aparecer do que desaparecer numa perspectiva
fugindo da cidade pelos anos fora e para além
em perseguição do puro tempo, desprovido de amor e de futuro.
A vida sem nós, querida, é pensável. Ela existe como
abelhas, cavaleiros, bares, habitués, colunas, vistas,
e nuvens sobre este campo de batalha cujas estátuas eternas
triunfam, com o seu corpo, sobre a possibilidade de te tocar.
1989
.
[joseph brodsky, trad. sandra costa
[joseph brodsky, trad. sandra costa
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home