terça-feira, junho 26, 2007

Nada me faltará

Sou o que está atirando
e o que está morrendo.
Sou a arma, o tiro, o ferimento,
o parque em torno e o fotógrafo
-- que não se vê.

Sou as manchas, a exatidão dos sapatos,
a roupa de listas e estampados
e a decadência física.
Sou tudo que se disser, neste retrato:

uma humanidade implacável
que não consigo evitar;
palavra armando palavra,
a reação em cadeia

queimando o mar.

Mas o resto da página,
já não sou.
Tudo o mais se apaga ante a foto
de filho matando pai

e saindo de arma em punho,
ameaçador.
A página já não sou, depois da foto
que me lembra meu rebanho

e meu pastor

Jorge Wanderley,
Manias de agora