quarta-feira, maio 30, 2007

Vou estar esperando

Diz logo se ele está armado.
O que acabou de ser levado.
Será que demora?

Diz logo se ele está contigo.
O que pôs todos em perigo.
Será que demora?

O que acabou de ser levado.
Sim, acho, já foi encontrado.
Será que demora?

O que pôs todos em perigo.
Não, não é ele o assassino.
Será que demora?

Sim, acho, já foi encontrado.
Cuidado, é o homem errado.
Será que demora?

Não, não, é ele o assassino.
Cuidado, atrás do postigo.
Será que demora?

terça-feira, maio 29, 2007

Intriga


Poderia ser um crime aquilo que persegue ou poderia ainda estar sendo perseguido pelos mesmos que tinham capturado os demais.
É um homem igual a qualquer outro, poucas
horas de sono, algumas histórias e um revólver
que deveria ou não vir por baixo de sua camisa.
Como nós, acredita em Deus e na possibilidade
de nem sempre ter as coisas por perto. Mas
em breve podem lhe apontar uma arma
ou talvez seja ele, ainda aqui, quem deva apontá-la
para alguém. Às vezes pensa que não existem
muitas escolhas. Sim, talvez apenas nós
possamos adivinhar o porquê dos disparos.
Por isso é que entendemos, até mais do que deveríamos,
sua pressa. Seríamos capazes de repeti-la, se necessário,
assim como já fizemos a outros. Porque, querendo
ou não, já sabemos onde toda a trama termina.
Enquanto isso, continua, a caminho tropeça.
Prossegue até que vence a margem. Atinge
a borda. A cidade como qualquer outra
numa situação dessas é mal iluminada.
Então olha para trás. Uma folha é uma folha, diz.
Chove. As testemunhas, que não podem
ser vistas, acabaram de chegar.
Quanto tempo ele ainda tem, perguntam.
Poderia ser um crime aquilo que persegue ou poderia estar ainda sendo perseguido pelos mesmos que tinham capturado os demais.
É um homem igual a qualquer outro, algumas
histórias e os mesmos passos em falso.
Como nós, lentamente ele se apressa.
Imóvel vê apenas o que vê. Finalmente
nos encontramos, diz,
me chamo Boileau, qual o seu nome?

terça-feira, maio 22, 2007

Um futuro texto


Há algum tempo atrás, procurei o poeta-detetive Sebastião Uchoa Leite para lhe perguntar sobre a possível relação entre um assassinato, até então misterioso, e o fato de a vítima, antes do crime, ter lido alguns poemas em que ela mesma morria. Um pouco surpreso com minha ingenuidade e como o grande poeta que sempre foi, Sebastião me disse ser o espaço do crime um espaço onde os poemas poderiam fazer muito pouco, ou seja, não ajudariam como pista. Para meu desapontamento -- e talvez seja esse o sentimento deste livro --, o autor de A ficção vida confirmou o que eu apenas suspeitava. De um lado, o trabalho arbitrário da literatura. De outro, o caráter decisivo do mistério.


15/08/2006

segunda-feira, maio 21, 2007

Água de "igual"
Azul
a mais ou a menos -
o do pássaro azul quando o céu
o invisibiliza?
Igual
a garça a carvão
grafada em branca parede de Alcântara
Igual
a 22 - 11
que a 33 - 22 é igual
à palavra
"igual"
gravada num espelho mergulhado
no fundo de um riacho de cristal

[ lu menezes
- abre-te, rosebud, 1996

domingo, maio 20, 2007

Paisaje

Veis esa pierna humana que cuelga de la luna
Como un árbol que crece para abajo
Esa pierna temible que flota en el vacío
Iluminada apenas por el rayo
De la luna y el aire del olvido!

[nicanor parra
poemas y antipoemas, 1954

segunda-feira, maio 14, 2007

O texto lê-se à transparência
Der Text schlägt durch

Poema antigo

De noite atravessando o lago a nado o momento
Que te põe em causa Já não há outro
Finalmente a verdade Que tu mais não és que uma citação
De um livro que não escreveste
Podes escrever uma vida para negar isto na tua
Fita de máquina descorada O texto lê-se à transparência

[heiner müller
trad. joão barrento
o anjo do desespero, relógio d'agua, 1997

segunda-feira, maio 07, 2007


Peso de outono

Eu vi o outono desprender suas folhas,
cair no regaço de mulheres muito loucas.
Cem duzentas pessoas num café cheio de fumo
na cidade de Heidelberg pronta para a neve
saboreavam tepidamente a sua ignorância.

Eu vi as amantes ensandecerem
com esse peso de outono. Perderam as forças
com o outono masculino e sangrento.
Os gritos a meio da noite
das amantes a meio da loucura voavam
como facas para o meu peito.

Alguns poetas li-os melhor no outono,
certos amores só poderia tê-los,
como tive, nos dias doces da vindima.

Fernando Assis Pacheco
Cuidar dos vivos, 1963

terça-feira, maio 01, 2007


Because Of

Because of a few songs
wherein I spoke of their mystery,
women have been exceptionally kind
to my old age.

They make a secret place
in their busy lives
and they take me there. They become
naked in their different ways and they say:
-- Look at me, Leonard,
look at me one last time.

Then they bend over the bed
and cover me up like a baby that is shivering.