quarta-feira, novembro 22, 2006

nullo dies sine lineas

segunda-feira, novembro 20, 2006

Tomar sol sempre que possível é o que fazemos

quinta-feira, novembro 16, 2006

who by fire

Who By fire
and who by fire,
who by water,
who in the sunshine,
who in the night time,
who by high ordeal,
who by common trial,
who in your merry merry month of may,
who by very slow decay
and who shall I say is calling?
And who in her lonely slip,
who by barbiturate,
who in these realms of love,
who by something blunt,
and who by avalanche,
who by powder,
who for his greed,
who for his hunger,
and who shall I say is calling?
And who by brave assent,
who by accident,
who in solitude,
who in this mirror,
who by his lady's command,
who by his own hand,
who in mortal chains,
who in power,
and who shall I say is calling?


Leonard Cohen
com base no poema ונתנה תוקף
(unetaneh tokef),
da liturgia judaica do Yom Kippur.

quarta-feira, novembro 15, 2006

dahlia ravikovitch 1936 /2005

você com certeza se lembra

Depois que todos se vão
fico sozinha entre os poemas.
Alguns são meus,
outros não.
Gosto mais dos poemas que não são meus.
Fico em silêncio
e a pressão abandona a garganta.
Fico,
mas às vezes queria que não ficasse ninguém.
Deve ser agradável escrever versos.
Você sente o quarto e as paredes crescendo,
as cores estão mais fortes.
Você queria que não ficasse ninguém.
Não compreende bem o que se passa.
Parecia que pensava em duas coisas de uma só vez.
Depois tudo passa e se transforma em cristal puro.
Mais tarde o amor.
Narciso se adorava.
Idiota aquele que não compreende também que não amava o rio.
Você está sentada sozinha,
seu coração dói, mas não se parte.
Lentamente vão se apagando as figuras desbotadas,
logo vão se apagando os defeitos.

Mais tarde aparece o sol, meia-noite,
e você se lembra ainda das flores escuras.
Queria estar viva, morta ou outra coisa.
Talvez exista um país que ame.
Talvez exista uma palavra.
Você com certeza se lembra.
Idiota o que permite que o sol se ponha na hora que quiser,
ele sempre consegue escapar das ilhas do oeste.
Até você virão sol, lua, as estações,
tesouros sem fim.


dahlia ravikovitch
versão: l.g.

como raquel

Morrer como raquel,
quando a alma erra no ar
que aspira evadir-se.
Junto da tenda atemorizados estão jacob e josé,
falam dela estremecendo-se,
tudo em sua vida se agita
como uma criança pronta para nascer.
Sim, é difícil.
O amor de jacob a consumiu
por inteira.
Agora que a alma dela se apartou
não deseja mais nada.
Súbito, um garoto grita,
jacob entra na tenda.
Mas raquel já nada sente.
Edna então lava seu rosto,
sua cabeça.
Grande é seu repouso agora.
Seu vigor já não agitará pluma alguma.
Deixaram-na entre as pedras no monte
sem que por ela chorassem.
Morrer como raquel
quisera eu.

dahlia ravikovitch
versão: l.g.

a última prece de saul

Senhor, como um animal no sulco
entre as pedras, estive firme
e com teu julgo sobre minha garganta.
Meu silêncio, sim, minha perdição.
Cansado estou. Então arranca tu
dos meus ombros o manto real:
ao fim do sulco nas pedras está
enterrado teu exército aniquilado.
Ah! Senhor sublime e déspota –
que te abates sobre minha alma.
como a chuva sobre o campo –,
sim, os frutos estão aos teus pés.

dan paguiz
versão: l.g.

Saul e David tocando diante dele

Saul está fechado no palácio de seu silêncio,
cativo da melodia de seu pagem e inimigo.
A curva da harpa é um pórtico fechado
que não o deixa entrar no vergel melodioso.

E as finas mão de David entre as múltiplas cordas
são como claros pássaros do outro lado das grades,
seu vôo se aproxima e afasta, alternativo.
Vôo elevado, vôo longo e saudoso,

levado pela quimera
até a porta do cântico.
E Saul escuta-o, com sangue nas têmporas,
atira a lança que vibra no espaço
e enterra-se
na parede.

E Saul ficou de mãos vazias.

dan paguiz (1930-1986)
trad. cecília meireles

terça-feira, novembro 14, 2006

Às vezes penso: o lugar é tremendo

sábado, novembro 11, 2006

jornal O Povo (CE) em 11/11/06
A água do livro

O poeta Manoel Ricardo de Lima fala sobre primeiro livro de poemas de Leonardo Gandolfi, No entanto d'água, lançado recentemente. A obra diz um pouco da tentativa de escrever o silêncio como um instante, como uma impossibilidade, como algo mais perto de uma fragilidade

Manoel Ricardo de Lima
Especial para O POVO
10/11/2006 22:50


O poeta Edmond Jabès diz em um certo poema seu que "Não há história da palavra mas, inalterável, uma história do silêncio. A palavra repete-a constantemente para nós. / Do silêncio só conhecemos o que a palavra nos pode dizer. Quer queiras quer não, só a palavra confirmamos." Assim, uma questão seria como propor pensar o silêncio como aquele instante que recupera uma ação de mudança, de transformação. O silêncio-instante como se numa escala temporal, como aquele tempinho ínfimo de posse da história, próximo e dentro ao tempo-de-agora de Walter Benjamin, talvez, este tempo presente em constante transição mas que também se posta para fazer uma crítica vigorosa à representação, principalmente se vista como progresso ou linha evolutiva.
Nisso, atravessar o silêncio-instante como uma potência para propor uma imagem de liquefação, a que se desmancha, se desfaz, se desvia, se água; uma imagem desviante. O primeiro livro de poemas de Leonardo Gandolfi, No entanto d'água, lançado recentemente (editora 7Letras, RJ), diz um pouco esta tentativa de escrever o silêncio como um instante, como uma impossibilidade, como algo mais perto de uma fragilidade. E este é o ponto interessante que também resvala para fora do livro, como postura e como política. E muito para tocar a questão nervosa das afecções e dos sintomas do poema para além da representação e para além do que também se estende como um procedimento democrático cínico entre as coisas mais enfadonhas do poema, aí se tomado também como um dado da cultura para a permanência, ou como método, ou como gesto de fórmula habituada etc.
Desta forma, este livro do Leonardo, se o tomasse rapidamente para a monstruosa construção de uma generalidade, poderia lê-lo neste entretempo falseado, entre uma coisa e outra filiação desnecessária, como o que toma força para propor potencializar a fragilidade de uma imagem e assim dar-se a ver num contra ou combate propositivo quase fundamental a esse sem freio da enxurrada de livros à toa e sem projeto. Mas um pouco mais de perto, o movimento-projeto dentro do livro estaria mais próximo a algo que, ao desfazer a imagem, imprime sobre um desvão que se move alguma outra filigrana de percepção. Enfim, como propusesse o rasgo e o risco e a potência numa alteridade inviolável e apontasse o dedo: esta imagem aqui é frágil, toque-a devagar porque ela está se desfazendo, ela está se desmanchando. E os poemas estão ali, mas não há nada ali senão outra-coisa-outra, um segredo.
Numa intrigante divisão em três partes: Sete, Rosto e -Quem são estes?, a pergunta que fecha não solicita respostas e abre os desfazimentos para onde parece estar sendo ampliado o silêncio, numa ranhura; ampliado em direção ao caráter inviolável do segredo. Um enigma, um mistério. Uma aventura e todas as animalidades sem nenhuma inversão da fábula ou sem a inversão da inversão da fábula; os animais também estão ali firmados, são aqueles mesmos que se dobram sobre seus próprios corpos. O que fica pois entre o segredo e os poemas, um crime?, outra pergunta que não solicita resposta, porque toma em sua dista propositiva o direito incondicional ao segredo da e na linguagem.
Em alguns versos se pode ver a escavação da proposta para romper o fio, para manter o labirinto num aberto, num sem saídas. Ao entrar o labirinto, o fio pode se romper, pode estar rompido. Sair ou entrar o labirinto é esticar ao não-sentido a fragilidade da potência deste não-sentido. Versos como: "As coisas são somente por faltarem todas", "A casa está vazia não por mera ausência / mas para o aprendizado da subtração.", "invisível resumo desse chão", "Quem sai, sai de onde quando entra na casa?" etc parecem ser todos mantenedores dessa também estratégia ao segredo. Ou algo de belezura singular que aparece também na contra capa: "Quem sabe quando a chuva parar de insistir / eu compreenda as regras da perspectiva.", para dizer de um certo aparecimento desta paisagem do instante, deste redemunho que aparece para alterar rápido e perturbar mais rápido ainda este enfado pré-fabricado da história, o poema. Um gesto, um dispositivo. Como diz Agamben que "toda escritura é um dispositivo, e a história dos homens não é outra coisa senão um incessante corpo a corpo com os dispositivos que eles mesmos têm produzido: antes de tudo, a linguagem."
Retomo o que Edmond Jabès ainda continua dizendo: "O instante diz. A duração é dita. A duração é ausência, e o instante, um vestígio relevado de uma ausência revelada a si mesma." É pois como linguagem e como desafio à linguagem, numa duração - cifra secreta de uma leitura - que este livro azul de Leonardo Gandolfi se aparece sozinho, uma água.
-
Manoel Ricardo de Lima é poeta.
Professor de Literatura Portuguesa, UFSC.
Autor de As Mãos, Embrulho e
Falas Inacabadas (este com Elida tessler).
SERVIÇO
No entanto d'água,
de Leonardo Gandolfi.
Editora 7Letras, 58 páginas.

sexta-feira, novembro 10, 2006

A água

No café trazem-me um copo com água
como se ele resolvesse todos os meus problemas.
É ridículo – penso – não há saída.
No entanto, depois de beber a água
fico sem sede.
E a sensação exclusiva do organismo
acalma-me por momentos.
Como eles sabem de filosofia – penso –
e regresso, logo a seguir, à angústia.

gonçalo m tavares

quinta-feira, novembro 09, 2006

Monica Bellucci
- Sono una geisha, sono una ragazza,
sono una diva, sono una donna,
sono una gata, sono una bomba a mano

terça-feira, novembro 07, 2006

porta san pancrazio

As abelhas não voaram para longe, nem um cavaleiro partiu
a galope. No bar Gianicolo, velhos companheiros relembram os dias
da infância, e o cubo de gelo derrete­‑se, arrefecendo o frágil motor
grato por beber duas vezes a mesma água.

Oito anos passaram. Guerras rebentaram e esfumaram­‑se,
famílias desfizeram­‑se, a escumalha desnudou os dentes [envelhecidos;
aviões caíram do céu e o rádio murmurou «Jesus».
Os lençóis ainda podem ser lavados, mas as rugas da pele

não se rendem à palma mais suave. O sol sobre uma Roma
no Inverno empurra o fumo púrpura com raios desnudos. A cinza
tresanda a folhas queimadas, e a fonte brilha como uma medalha
vacilante pendurada num canhão que ao meio dia dispara a sua salva.

A pedra é usada para manter cativa a memória.
Contudo é mais difícil aparecer do que desaparecer numa perspectiva
fugindo da cidade pelos anos fora e para além
em perseguição do puro tempo, desprovido de amor e de futuro.

A vida sem nós, querida, é pensável. Ela existe como
abelhas, cavaleiros, bares, habitués, colunas, vistas,
e nuvens sobre este campo de batalha cujas estátuas eternas
triunfam, com o seu corpo, sobre a possibilidade de te tocar.

1989
.
[joseph brodsky, trad. sandra costa

segunda-feira, novembro 06, 2006

Tudo o que foi será, disse.

domingo, novembro 05, 2006

Lugares para se conhecer um dia
e quem sabe encontrar algo

sexta-feira, novembro 03, 2006

Pequena valsa vianense

Em Viena há dez moçoilas,
um ombro onde soluça a morte
e um bosque de pombas dissecadas.
Há um fragmento da manhã
no museu da geada.
Há um salão com mil janelas
Ai, ai, ai, ai!
Toma esta valsa com a boca fechada.

Esta valsa, esta valsa, esta valsa,
de sim, de morte e de conhaque
que molha sua cauda no mar.

Quero-te, quero-te quero-te,
com a poltrona e o livro morto,
pelo melancólico corredor
no escuro desvão do lírio,
em nossa cama de lua
e na dança com que sonha a tartaruga.
Ai, ai, ai, ai!
Toma esta valsa de quebrada cintura.

Em Viena há quatro espelhos
onde brincam tua boca e os ecos.
Há uma morte para o piano
que pinta de azul os rapazes.
Há mendigos pelos telhados.
Há frescas grinaldas de pranto.
Ai, ai, ai, ai!
Toma esta valsa que morre em meus braços.

Porque te quero, te quero, amor meu,
no desvão onde brincam os meninos,
sonhando velhas luzes da Hungria
pelos rumores da tarde tíbia,
vendo ovelhas e lírios de neve
pelo silêncio escuro da tua fonte.
Ai, ai, ai, ai!
Toma esta valsa de “Quero-te sempre”.

Em Viena dançarei contigo
com um disfarce que tenha
cabeça de rio.
Olha que margens tenho de jacintos!
deixarei minha boca entre tuas pernas,
minha alma em fotografias e açucenas,
e nas ondas escuras de teu andar
quero, amor meu, amor meu, deixar,
violino e sepulcro, as fitas da valsa.
.
[frederico garcia lorca, trad. william agel de mello
e musicado por leonard cohen aqui

quinta-feira, novembro 02, 2006


para a minha filha

Dai-me outra vida e estarei no Caffè Rafaella
a cantar. Ou estarei sentado a uma mesa,
simplesmente. Ou de pé, como um móvel no corredor,
caso essa vida seja menos generosa que a anterior.

Contudo, em parte porque nenhum século daqui em diante
conseguirá passar sem jazz nem cafeína, aguentarei esse desplante,
e pelas minhas rachas e poros, verniz e todo de pó coberto,
observarei, daqui a vinte anos, como a tua flor se terá aberto.

De um modo geral, lembra-te de que estou por ali. Ou melhor, que
um objecto inanimado pode ser o teu pai, sobretudo se
os objectos forem mais velhos do que tu, ou maiores. Não
os percas de vista, pois, sem dúvida, te julgarão.

Seja como for, ama essas coisas, haja ou não encontro.
Além disso, pode ser que ainda te lembres duma silhueta, dum [contorno,
ao passo que eu até isso perderei, juntamente com a restante [bagagem.
Daí estes versos, algo toscos, na nossa comum linguagem.

1994
[joseph brodsky, trad. carlos leite

quarta-feira, novembro 01, 2006





















A imagem no entanto é a do ovo
cujo subjuntivo se diz vôo

Ou sobre a cama
junto ao lençol
o travesseiro e esta palavra contígua
Caligrafia atravessando a carne do carneiro
para chegar ao espaço em branco do teu ombro
Interseção

A imagem no entanto é a do ovo
cujo subjuntivo se diz vôo
não por sua articulação mas pelo ar
em torno do movimento
de ajeitar o cabelo

O lençol caindo da cama

Enquanto isso a respiração
como se a sufocasse o travesseiro

Ovo e leitura
a mesma declinação