domingo, dezembro 31, 2006

The music crept by us

I would like to remind
the management
that the drinks are watered
and the hat-check girl
has syphilis
and the band is composed
of former ss monters
However since it is
New Year's Eve
and I have lip cancer
I will place my
paper hat on my
concussion and dance

[leonard cohen
[flowers for hitler, 1964

sábado, dezembro 30, 2006

Daqui um poema para o ano novo. Nem sei se o melhor para a ocasião. De qualquer forma é um poema de Carlos de Oliveira. E isso já o torna especial de antemão. Claro, menos pela "pedra" e coisas afins do que pelo "eu" do último verso. É, me parece que esse foi um belo ano. /

Fóssil

A pedra
abriu
no flanco sombrio
o túmulo
e o céu
duma estrela do mar
para poder sonhar
a espuma
o vento
e me lembrar agora
que na pedra mais breve
do poema
a estrela
serei eu.

[cantata, 1960

sexta-feira, dezembro 29, 2006


Desta temporada portuguesa, muitos livros têm me impressionado. Principalmente devido a certa preocupação na nova poesia portuguesa de contar alguma coisa de forma quase biográfica. Isso, se realmente algo puder ser quase biográfico. Muitos são os autores que lidam com isso. Um deles, Carlos Bessa, que eu já tinha lido na antologia d'Os poetas sem qualidades, para mim tem algum destaque. Até porque, acho, parece saber muito bem o que está fazendo, sem no entanto deixar que isso atrapalhe e emperre seus poemas. Do livro "Em trânsito", de 2003, tiro esse texto aí de baixo, o de abertura do livro.
(leonardo)
.
Presépio
Quero pensar que foi uma lesão da infância
A poesia, assim como o horror de ficar no escuro
Olhar lambido, já saliva de vivendas
Cruz de pomares pinhais quintais ou
A avançar por oleosos e negros carris
Com navalhas meticulosamente
Postas em fio nas oficinas
De vizinhos dados ao artesanato.
Talvez ela, a poesia, seja isso
Defender a ingenuidade que se encontra
Num bolso antigo
Em nome de amantes e de amigos
Perdidos ao sabor de nada.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Aquém

Não compreendo todas as caligrafias, começando
pela minha, metade do que nos foi prometido
parece-me entretenimento, fun and games, distracções,

dou atenção à palavra de mortos, como se essa mesma morte
não fizesse prova, fiquei aquém do que se pode esperar
de um filho, e isso é mais importante que metáforas.

[pedro mexia
[vida oculta, 2004

quarta-feira, dezembro 27, 2006

42.
Suicídio e depois Filosofia (Novalis).

43.
O cão do planeta é o homem.
- "Busca", e ele vai.
A cauda, quando abana, é o contentamento.
É o cérebro, a cauda, e está contente!
O filósofo.

44.
Mais alto que o Coração, a Cabeça.
Mas mais alto que a Cabeça, o Coração.

45.
O amor é a dor no sítio errado.
A dor é a dor no sítio certo.
A dor é o amor no sítio errado.
O amor é o amor no sítio certo.
(Canção infantil do Cérebro Meio). Por exemplo.

46.
A alma doente: o Corpo.
O Corpo incorrupto, INVELHECÍVEL: a alma.
Morte: cura súbita da doença da alma.

47.
Toda saúde é ciência.
A arte é doença Rápida; aflige, mas incita à vontade: mudar de vida, hoje!
Não é cão Rápido.
É cão coxo que se perdeu no Atalho Sublime. E este, sim, o percurso, é VELOZ.
Suicídio sem sangue, suicídio por dentro.
Mudar a vida e o caminho a Zero.
Vou de novo, claro, mas com pés no Branco. Assim.

[gonçalo m tavares
[investigações. novalis :
difel, 2002

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Primeira imagem

A primeira imagem: dois anos,
a caminho de um casamento.
Numa velha pick-up, vaso improvisável,
uma quase ronda de presépio.
A caminho de um casamento,
o negro ritual. Na família entre
a família e para a família.

A primeira imagem.
Realmente minha? Não me posso
lembrar, garantem, de memória
tão precoce. Mais importa
essa circunstância: a família.

Isso que existe (sociologia,
demografia, biografia). Que não existe.
Um plural em declinação minha,
instável, para que me sirva. Um problema
desfeito em poemário.

A primeira imagem: dois anos, a caminho
de um casamento. Família,
primeira imagem, não será a última.

[pedro mexia
[vida oculta, relógio d'água, 2004

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Um dia

Deram-lhe hoje a notícia. Em todos os seus ramos
a casa adormeceu já. Ele sentou a noite diante do
écran branco; esperou que a onda retirasse o seu som
e acendeu a lua nova e o Ciclo-Scardanelli. Terá então
escrito: Usarei também um dia a palavra antiquíssima.
Não sabes se nesse dia é já a morte que te beija
a artéria do amor; - ou se é ainda a tua a boca
que me sobe o flanco. Nem o poderia saber agora.

Mas a qual das bocas se referirá a palavra dita?
Ao esplendor do teu brando gesto inclinada sobre o mundo
ou ao sangue exausto que respira ainda?
Não pode ser aceite que isso que amas e des-
conheces infinitamente - ela, o mundo em ti -
possa morrer. E contudo todos o sabemos.
Talvez ele chame antiquíssima e não idêntica
à que é finita e breve.

[manuel gusmão
[teatros do tempo, ed.caminho, 2001

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Sur la croix
on gémit
et on prie

*

O texto escrito
é a pessoa
a menos

A carta a letra
não são a pessoa

Nem sempre a pessoa
agrada
nem sempre a pessoa
é amada

Com a pessoa viva morta amada desagradada ausente presente
as cartas as letras são sempre mortas

Um mapa não é uma terra

[adília lopes
[le vitrail la nuit / a árvore cortada, &etc, 2006

terça-feira, dezembro 19, 2006

Revólver

Agradeço-te a lembrança, avô:
deixaste-me o revólver na mão,
está empenado o gatilho,
tem ferrugem o cão,
o serviço, com balas deste calibre,
não é garantido
(escusavas de o ter comprado ao cigano
que bebia contigo),
mas criança alguma poderá estragar
o pessimismo deste poema,
ou vir a tempo de evitar o seu desfecho
- rindo, por exemplo, no recreio da escola.

[rui lage
[revólver, quasi, 2006

segunda-feira, dezembro 18, 2006

ocupam-te as nuvens, bem vejo
como te cega a dimensão da água,
como ordenas os quartos e os rios
a mesa da brancura e os limites

na rua continuam perguntando
que nome melhor rima com a boca
bem sei que te distraem os cargueiros
a dobra da janela nos cabelos

um sopro é a avenida o horizonte
rasgado pelo meio

[antónio franco alexandre
[poemas 1974-1996, A&A

domingo, dezembro 17, 2006

O livro

como uma paisagem entrando pela janela de um quarto vazio
tchouang tse

E quando chegares à dura
pedra de mármore não digas: "Água, água!",
porque se encontraste o que procuravas
perdeste-o e não começou ainda a tua procura;
e se tiveres sede, insensato, bebe as tuas palavras
pois é tudo o que tens: literatura,
nem sequer mistério, nem sequer sentido,
apenas uma coisa hipócrita e escura, o livro.

Não tenhas contra ele o coração endurecido,
aquilo que podes saber está noutro sítio.
O que o livro diz é não dito,
como uma paisagem entrando pela janela de um quarto vazio.

[manuel antónio pina
[os livros, A&A, 2003

sábado, dezembro 16, 2006

Os dias de Job

Às vezes rezo
sou um cego e vejo
as palavras o reunir
das sombras

às vezes nada digo
estendo as mãos como uma concha
puro sinal da alma
a porta

queria que batesses
tomasse um por um os meus refúgios
estes dedos
inquietos na ignorância
do fogo

pois que tempo abrigará
os anjos
e que dia erguerá todo o sol
que há nas dunas

por isso
às vezes chove quando rezo
às vezes quase neva
sobre o pão

[josé tolentino mendonça
[a noite abre os meus olhos, poesia reunida, A&A, 2006

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Milva / Astor Piazzolla, 1984

"Abraça-me com força,
agora que vou morrer" - não
era bem assim, em italiano,
quando decidiu ajoelhar-se
no Théâtre des Bouffes du Nord.
Mas é o que me apetece dizer dessa noite,

dessa noite "antiga como o tempo"
que viajou num cassete
em casebres demolidos
e sofreu amputações
por culpa de um charro
ou de alguém que nunca vi,

até que chegasse a mim,
não menos casualmente.
Muito anos depois,
encontrei o disco e assustou-me
a perfeição, a certeza
de ter ganho tudo aquilo que perdi.

[manuel de freitas
[jukebox, abril de 2005

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Porto, nov-dez 2006

A minha vida, a mais hermética

Este amor literal, o pormenor dos lábios, a aproximação
da consciência é a situação mais nítida sobre a profundidade dos [gritos.
Sobre a colina tradicional, sendo a tradição um único
momento, estou na mesma situação de blake e na situação
de mim mesma quando ouvia o infinito no grito das crianças
e quando era evidente. Porém não terminava o crepúsculo, nem [os jogos
se estavam a tornar obscuros, nem junto à casa aparecera a [fisionomia da imagem
da mãe. Nada se opõe, tudo difere, este sistema simbólico
inclui gritos, com mais numerosas referências.

Tudo o que disse com literalidade deverá parecer,
agora, o aviso de que a minha vida é a mais hermética.

fiama hasse pais brandão
[novas visões do passado, p.65 , A&A, 1975